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Defensores do meio ambiente em terreno perigoso na América Latina

O ano passado foi o mais letal para os defensores do meio-ambiente, de acordo com as estatísticas da ONG Global Witness. A taxa de homicídios é a dia de hoje de três por semana. Español English

Robert Soutar
29 Junho 2016
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Berta Zuñiga Cáceres, filha da ativista hondurenha assassinado, Berta Cáceres, fala durante um ato em Nova York em abril. Imagem: Comissão Interamericana de Direitos Humanos

“Em vários países, os assassinatos estão-se a tornar numa epidemia”, disse Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial de direitos humanos da ONU, numa visita recente ao Brasil, citado como o país mais mortífero pelo relatório da Global Witness titulado "Em Terreno Perigoso", para aqueles que se enfrentam a projetos perjudiciais e à extração de recursos naturais. 

Em 2015, foram registrados 185 assassinatos de ativistas ambientais em 67 países, um recorde anual, com a maior concentração de ocorrências na América Latina. Isso representa um aumento de 59% em comparação com o ano anterior. Brasil (50), Filipinas (33), Colômbia (26), Peru (12) e Nicarágua (12) são os cinco países mais perigosos, de acordo com o documento intitulado “On Dangerous Ground” (Em Terreno Perigoso, em tradução livre).

No entanto, estes números provavelmente subestimam a real extensão do problema, pois os esforços de monitoramento empenhados pela sociedade civil e pela mídia são fortemente suprimidos em alguns países.

Cerca de 40% dos assassinatos (67) vitimaram indígenas que vivem em locais remotos, ricos em recursos naturais e pouco fiscalizados, tendo como consequência o alastramento da extração ilegal de madeira e recursos minerais. Impunidade é a regra para os praticantes da violência, enquanto os ativistas são cada vez mais criminalizados ou demonizados, tachados de “antidesenvolvimento” pelas elites influentes, diz o relatório.

Em abril, Berta Cáceres, ativista ambiental de grande visibilidade em Honduras e ganhadora do Prêmio Ambiental Goldman em 2015, foi baleada e morta enquanto dormia, demonstrando novamente os riscos enfrentados por quem protege os recursos naturais contra a exploração. Cáceres lutava contra a construção da barragem de Agua Zarca no Rio Gualcarque, sagrado para os índios Lenca e recurso essencial para sua sobrevivência. Juntamente com os setores de mineração e extração, a energia hidrelétrica é citada no relatório como uma das principais causas de conflitos ambientais.

No país vizinho, a Nicarágua, os índios Miskito estão à frente de uma sangrenta disputa. De acordo com Lottie Cunningham, representante legal dos Miskito, 24 pessoas foram mortas e mais de 50 foram gravemente feridas por colonos na Região Autônoma da Costa Norte do Caribe (RAAN) desde 2014. Isto se deu apesar dos repetidos apelos da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que o governo nicaraguense fizesse mais para protegê-los. O relatório da Global Witness foi capaz de verificar 12 assassinatos relacionados às questões ambientais na Nicarágua em 2015, sendo que todas as vítimas foram indígenas.

“As nossas comunidades precisam mais do que nunca do nosso trabalho – e nós estamos comprometidos com isso –, mas estamos em um estado constante de perigo e alerta”, disse Cunningham. A advogada acrescenta que o governo da Nicarágua tem falhado em implementar leis que garantam os direitos territoriais dos indígenas, além de continuar distribuindo concessões para projetos em terras indígenas, sem estudo prévio dos impactos.

O relatório da Global Witness pede que governos nacionais, empresas, investidores e organizações internacionais tomem medidas imediatas para melhor proteger os ativistas ambientais. Dentre as recomendações estão a fiscalização adequada pelas autoridades locais e a ratificação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que protege o direito dos indígenas de dar ou não seu consentimento livre, prévio e informado para projetos que afetem as suas terras. Aos investidores, o documento recomenda recusar a tomada de decisões de investimento caso haja desacordo com a Convenção 169.

Agonia na Amazônia

Com exceção do ano de 2011, mais ativistas ambientais têm sido assassinados no Brasil a cada ano desde 2002 do que em qualquer outro país do mundo. Nesse período, cerca de 500 ativistas brasileiros foram mortos. Os 50 assassinados em 2015 representam quase o dobro do número verificado no ano anterior.

A extração ilegal de madeira e a expansão da fronteira agrícola estão ligadas a um surto de violência nos estados amazônicos do Pará, Maranhão e Rondônia, onde foi registrada a maioria dos casos. Conforme relatos, é comum que proprietários de terras contratem capangas para silenciar quem se opõe a seus interesses.

Tauli-Corpuz, da ONU, classifica a situação como “guerra declarada”.

Tramita no Congresso Nacional brasileiro uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215) que transfere do Executivo para o Legislativo (pró-agronegócio) o poder de demarcação de terras indígenas já existente há muito tempo, a PEC 215, sob a qual a autoridade para demarcação de territórios indígenas. Se aprovada, a PEC 215 poderá liberar terras indígenas para pecuária e o cultivo de soja, além de projetos de petróleo e gás, provando se fatal para seus habitantes.

Em Florencia, no departamento de Caquetá na Amazônia colombiana, a extração de petróleo desencadeou conflitos violentos com a Igreja, empresas e ONGs locais, criando uma aliança inesperada em defesa dos frágeis ecossistemas da região.

“A exploração dos hidrocarbonetos é apenas temporária, a Amazônia é para sempre”, disse Eduardo Moya, chefe da câmara de comércio local, numa entrevista no ano passado.

Nas regiões mais longínquas da bacia amazônica, na Colômbia central, ativistas enfrentam constantes ameaças e intimidações de grupos paramilitares que operam em nome de empresas locais, diz o relatório da Global Witness. Mineradoras multinacionais também são atraídas para a área, por conta de suas vastas reservas de ouro.

Grupos indígenas como os Embera Chamí, já envolvidos há vários anos em conflitos civis, agora enfrentam o deslocamento forçado por grandes empresas do agronegócio e extrativismo, exacerbando os problemas de desigualdade fundiária, pobreza e degradação ambiental, afirma o relatório da Global Witness.

De acordo com a Anistia Internacional, a corrida pela aquisição de terras e a exploração comercial são comuns e até mesmo legitimadas por uma lei aprovada em 2015, que incentiva o desenvolvimento econômico de determinadas áreas, independente de se as terras foram obtidas de forma ilegal.

Avisos

Em seu discurso de aceitação do Prêmio Goldman, Berta Cáceres falou sobre o assédio constante e as repetidas ameaças de morte: “Eles me perseguem. Ameaçam me matar, inclusive me sequestrar. Ameaçam a minha família. É isso que nós enfrentamos”.

Apesar de seus avisos, o governo de Honduras pouco fez para protegê-la. E apenas duas semanas após sua morte, um outro ativista e colega de Cáceres, Nelson Garcia, também foi assassinado. Foi só então que investidores holandeses e finlandeses cancelaram o financiamento da barragem de Agua Zarca. A empreiteira chinesa Sinohydro saiu do projeto em 2012, em meio ao acirramento dos conflitos.

Apesar dos fortes apelos da Global Witness para uma melhor proteção e a adequada investigação destes casos de violência – sem as quais a cultura da impunidade continuará prosperando –, a organização também atribui culpa à tendência geral de adoção de modelos econômicos baseados em recursos naturais nos países em desenvolvimento. A queda dos preços globais provavelmente intensificará o desenvolvimento orientado à exportação de commodities e, como consequência, os riscos ao meio ambiente e a seus defensores.

Projetos controversos devem ser revistos com urgência e seus opositores incentivados a se manifestar, com garantias de segurança, diz o relatório. Caso contrário, as mortes só aumentarão.

“Qualquer esperança que tenhamos para as gerações futuras também será assassinada”, avisa o documento.

Este artigo foi publicado previamente no Diálogo Chino.

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